HERCULANO PIRES

O REINO

 

 

Todas as citações bíblicas deste livro foram tiradas da tradução clássica de João Ferreira de Almeida, Edição das Sociedades Bíblicas Unidas. Algumas palavras e frases (poucas) foram adaptadas poeticamente ao contexto, quando este o exigia, sem qualquer prejuízo do seu sentido literal.
 
 
“Venha a nós o Teu Reino”

“O Livro edificante é sempre um orientador e um amigo.

É a voz que ensina, modifica, renova e ajuda.”

Emmanuel

Sinopse da obra:

O que é o Reino?

A resposta que este livro nos dá é desnorteante para os que pensam no Reino à maneira antiga. J. Herculano Pires usa uma linguagem poética para enfrentar problemas filosóficos, sociológicos, políticos, éticos, religiosos e antropológicos decorrentes de uma tese evangélica.

Tanto se tem falado e escrito do Reino em termos exclusivamente religiosos, de um religiosismo fanático, impregnado de superstições, que muita gente há de torcer o nariz diante deste livro.

Depois de analisar todas as formas de interpretação do Reino, ao longo da história da humanidade, Herculano nos mostra que o Reino de Deus – como nas palavras de Jesus – está dentro de nós, na aspiração divina da justiça e do amor, que é o próprio reflexo de Deus na consciência humana.

Capítulo da obra:

II

Os Fundamentos

Como pode um carpinteiro fundar um Reino? Pois o jovem Carpinteiro de Nazaré o fundou sem a menor dificuldade. O incidente da Sinagoga não teve muita importância. O que valeu foi a proclamação do Reino, feita com tranquila firmeza e repudiada com estúpida violência. Daquele momento em diante o Reino do Carpinteiro estava implantado na Terra. E nada mais, nenhuma violência e nenhuma manobra escusa conseguiram fazê-lo desaparecer.

Ate hoje há grandes exércitos mobilizados contra o Reino. As potestades do ar, de que falou mais tarde o apóstolo Paulo, e as potestades da Terra, que todos conhecemos, vêm realizando há milênios uma luta conjugada contra o Reino. Mas este permanece firme, tranquilo como o seu Fundador. E cada vez mais se alarga, como uma flor teimosa que desabrocha lentamente, apesar das tempestades, das secas, das pragas, do sol inclemente e da inclemência maior do coração humano.

Quais são os fundamentos desse estranho reino que ergue as suas torres e os seus minaretes, as suas cúpulas e os seus pendões entre tantas forças adversas? O jovem Carpinteiro os formulou com as palavras de Isaías na Sinagoga de Nazaré. O primeiro desses fundamentos é o Espírito do Senhor. Seria necessário mais algum? Todas as demais pedras de alicerce do Reino tiram dessa Pedra a sua pureza e a sua firmeza. O Espírito do Senhor é tanta coisa que não chegamos a compreendê-lo bem. Falta-nos visão e compreensão para tanto. Mas sabemos que Ele é, antes de tudo, Amor e Justiça.

Eis, pois, os três primeiros fundamentos do Reino: Deus, Amor e Justiça. É por isso que o jovem Carpinteiro proclama em seguida que foi ungido para anunciar a Boa Nova aos pobres. Alguns ricos têm perguntado, através dos séculos: Que justiça é essa? Então nós, os ricos não merecemos a Boa Nova? Claro que merecem, como todos os demais filhos de Deus, mas para isso precisam fazer o que o jovem Carpinteiro ensinou ao moço rico que desejava entrar no Reino:

“... Vai, vende o que tens e dá-o aos pobres; depois vem e segue-me.”

Então esse Reino é o Reino da pobreza e da miséria? Seria um Reino de vagabundos e mendigos? Não, pois dividir a riqueza não é destruí-la, mas multiplicá-la. É abrir-lhe outras possibilidades de crescimento, não mais entre as garras do egoísmo, mas entre as mãos do altruísmo.

Os ricos que não têm entrada no Reino são os que construíram o seu próprio reino na Terra. Esses reinozinhos egoístas, fechados em si mesmos, alimentando a vaidade, a ganância, a impiedade, a arrogância, são os mais ferozes inimigos do Reino. Por isso é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um desses reizinhos, que a morte despojará de suas bazofias e pretensões, entrar no Reino.

Os pobres são os injustiçados da Terra. Os ricos são os que amealharam os bens da Terra e fizeram a sua própria justiça. O reino é do Céu, mas o jovem Carpinteiro o trouxe para a Terra, a fim de que a justiça se faça através do Amor.

Como é difícil aos homens compreenderem essa dialética divina! Há dois mil anos admiram a grandeza do Reino, desejam atingi-lo, mas não jogam fora o fardo terreno que os impede de chegar a Ele. O pesado fardo terreno os esmaga no chão do planeta, como bichinhos embaixo de uma pedra.

Eu explicava isso ao meu amigo descrente, noutro encontro de rua, numa esquina, quando ele perguntou, com um sorriso irônico:

– Por que Deus deixou que os homens se embichassem desse jeito? Não era mais fácil evitar isso do que ter de enviar, depois, o jovem Carpinteiro à Terra?

Senti novamente um frêmito de asas invisíveis e logo apareceu o rapazinho loiro, de faces rosadas, com dois pedaços de céu nas pupilas. Bateu-me levemente nas costas e dirigiu-se ao meu amigo:

– Deus quer que os seus filhos cresçam responsáveis, por isso lhes dá a liberdade. Pode haver responsabilidade no escravo ou no robô? Meu caro, a responsabilidade é uma planta melindrosa, que só nasce e cresce no clima da liberdade.

– Então – respondeu o amigo descrente, puxando de novo o gatilho da sua espingardinha de ironia –, por que Deus agora condena os ricos? Não foi ele quem lhes deu a liberdade de enriquecer?

– Deus não condena ninguém. – respondeu o rapazinho loiro – Os ricos se condenaram a si mesmos.

– Como? Que história é essa?

– Meu amigo: os homens que amealharam fortuna da Terra amealharam egoísmo, injustiça e impiedade. Os bens da Natureza pertencem a todos, e os que transformam esses bens para produzir outros não podiam esquecer o dever da fraternidade. Como pode regozijar-se na opulência o homem que vê seus irmãos morrendo de fome, doença e miséria nas sarjetas da cidade ou nos paióis do campo?

– Mas ele pode auxiliar as obras sociais – retrucou o meu amigo, com leve sorriso.

– Derrubar as migalhas da mesa para os cachorrinhos e os gatos não é amor nem justiça – respondeu o rapazinho loiro.

E, na mesma hora, como se houvesse por acaso se enfiado entre os grupos de pessoas pela calçada, desapareceu.

– Quem é esse petulante? – perguntou o amigo descrente.

– Um mensageiro do Reino – respondi.

– Ba! – fez ele de novo e despediu-se apressado.

Voltei então a pensar por minha conta nos problemas do Reino. E à proporção que andava pelas ruas, tão cheias de gente de toda espécie, pobres, remediados e ricos, os fundamentos do Reino me pareciam mais nítidos na mente.

Vi o rico da parábola, tão diferente daquele mendigo que comia as migalhas de sua mesa, caminhando por uma estrada circulante, com o fardo de suas riquezas terrenas às costas. A estrada levava ao Reino e subia como espiral em torno da montanha sagrada.

Dificilmente subia o pobre rico, ofegante, cada vez mais cansado, até chegar ao luminoso Portal. Esmagado sob os fardos enormes, fez um último e penoso esforço para bater a aldrava. Mas, em vez de abrir-se o portal, o que se abriu foi uma estreita portinhola. Fascinado pela beleza entrevista, o pobre rico meteu-se na fresta, mas os fardos não passavam.

Foi dura a luta. Compreendi então a imagem do camelo. Não, não se trata de cabo ou corda grossa, trata-se mesmo do camelo. O pobre camelo rico não passava naquele fundo de agulha porque os seus fardos não deixavam.

Depois de muito lutar o rico sentou-se ao lado da portinhola, que continuava aberta. Uma tranquila oferta. Um convite de amor. Mas o rico se agarrava cada vez mais aos seus fardos, que ameaçavam rolar pela encosta.

Oh, pobre rico! Suava frio, olhava de esguelha a portinhola aberta e abraçava loucamente o tesouro da perdição. As forças começaram a faltar-lhe. Um fardo escapou. Ele tentou alcançá-lo, sem largar os outros e foi então que rolou para o abismo. Só quando ele já estava no fundo do precipício a portinhola do Reino fechou-se.

O jovem Carpinteiro ensinou certa vez:

“Aquele que se agarrar à sua vida, perdê-la-á; Aquele que a perder por amor de mim, a encontrará!”

O pobre rico da parábola agarrou-se ao seu tesouro de perdição, que era a sua própria vida. Compreendi então a solidez dos fundamentos do Reino: Amor e Justiça. A portinhola continuara aberta até os últimos instantes, até o derradeiro instante. Mas o pobre rico fez justiça a si mesmo com as próprias mãos. Como queria o meu amigo culpar Deus por isso?

Compreendi então porque o jovem Carpinteiro viera anunciar a Boa Nova aos pobres. E porque ele costumava dizer: “Os que têm ouvidos de ouvir, ouçam.” De que adiantaria anunciar a Boa Nova aos ricos que só tem ouvidos moucos para as coisas do Reino?

Os pobres sofrem, são injustiçados, carecem de amor. Deus sabe que eles têm ouvidos de ouvir. A Boa Nova lhes toca o coração amargurado. Mas quando a amargura é também amealhada pelos pobres, estes se tornam escravos de si mesmos e cegos para a verdadeira vida. Por isso o jovem Carpinteiro repetiu as palavras de Isaías sobre a libertação dos cativos e a vista aos cegos.

Deus não faz acepção de pessoas. O pobre e o rico podem entrar no Reino, o pobre e o rico podem ficar do lado de fora da portinhola. O fardo da revolta é tão pesado e ignominioso como o da boa-vida. O pobre também pode amealhar a riqueza da ignomínia. “Bem-aventurados os mansos e pacíficos, porque eles herdarão a Terra.”

O jovem Carpinteiro não promete o Céu, mas a Terra. Porque o Reino foi implantado na Terra e deve crescer sobre ela. É o próprio Céu que baixa à Terra. Mas para que os homens se tornem dignos do Céu é necessário que os cativos sejam libertos, que os cegos tenham a vista restaurada, que os oprimidos recuperem a liberdade e que o Ano Agradável ao Senhor seja estabelecido.

Vejo Israel nesse ano de amor e justiça. Todos se reúnem para a redistribuição das terras. O amor do Reino inunda os corações ainda não viciados pelo amor das comodidades materiais. Os homens compreendem que são todos irmãos e que o Senhor só ficará contente quando todos os seus filhos partilharem dos bens naturais.

Nenhum pretende conservar em suas mãos mais do que o necessário. A terra em Israel é pouca, mas boa. Deve ser distribuída de tal maneira que não falte a ninguém o seu meio de vida. Pois não foi o Senhor quem concedeu a Israel o domínio de Canaã, essa terra de leite e mel? E a concessão não foi feita para todos?

A proclamação de Nazaré estabelece os fundamentos do Reino, sem nada esquecer. Em breves linhas, em poucas palavras, o código de amor e justiça é oferecido ao mundo. Se os homens quiserem entender esse Código Divino, o Reino crescerá na Terra. Se não quiserem, o Reino continuará a expandir-se nos corações e nas consciências capazes de senti-lo e compreendê-lo.

Quando o jovem Carpinteiro nasceu, um coro de anjos cantou no horizonte do mundo:

“Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade!”

Tudo depende do homem. A portinhola do Reino ficará aberta até o último instante.

Herculano Pires

Fontes: Conferências dos 100 anos do Nascimento de Herculano Pires (Dmitri Cerboncini Fernandes, com o tema "O que é o Reino?")

Fontes: Canal Espírita Jorge Hessen (Câmera Aberta do ano de 1977 - TV Tupi) (Comemoração de 50 anos da mediunidade de Chico Xavier)

Fontes: Fundação Maria Virgínia e J. Herculano Pires

Fontes: Vade Mecum Espírita

"Há uma sequência lógica e natural das revelações cristãs, que todos os espíritas devem ter constantemente na memória. Primeiro, houve a revelação do Sinai, a missão de Moisés, da qual resultou a codificação bíblica. Foi a I Revelação e, já em seu texto, ela anunciava a segunda, que surgiria com a vinda do Messias. Depois, veio a II Revelação, com Jesus, e tivemos, então, a codificação evangélica, que também em seu texto anunciava a terceira. E, por fim, surge a III Revelação, com as manifestações dos Espíritos em todo o mundo, e temos, então, a codificação espírita."

Herculano Pires "O Zelador da Doutrina Espírita"

 

RELAÇÃO DE OBRAS PARA DOWNLOAD

 

Allan Kardec - O Evangelho Segundo O Espiritismo (Obra de Allan Kardec - "O Evangelho Segundo O Espiritismo" - Meu reino não é deste mundo - Cap. II)

 

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