DEOLINDO AMORIM
AFRICANISMO E ESPIRITISMO
Trechos da obra:
Tem-se procurado, aliás sem razão plausível, confundir o Espiritismo com velhas práticas afro-católicas, enraizadas no Brasil desde o período colonial. Argumenta-se, em defesa de tal suposição, que nas práticas africanas se verificam manifestações de espíritos, o que, no entender de muitas pessoas, é suficiente para dar cunho espírita a essas práticas.
O raciocínio é mais ou menos este: onde há manifestações de espíritos, há espiritismo; logo, as práticas fetichistas são também práticas espíritas, porque nelas se faz evocação de espíritos.
Eis aí uma preliminar discutível. Em primeiro lugar, o que caracteriza o ato espírita não é exclusivamente o fenômeno; em segundo lugar, o Espiritismo (corpo de doutrina organizado por Allan Kardec) surgiu no mundo em 1857, e quando suas obras chegaram ao Brasil, já existia o africanismo generalizado, principalmente na Bahia.
Historicamente, como se vê, não é possível estabelecer qualquer termo de comparação, porquanto o africanismo data de época muito recuada, ao passo que a doutrina espírita é do século passado. Se, de fato, o fenômeno fosse o único elemento capaz de identificar a prática espírita, teríamos de chegar à conclusão de que espiritismo e catolicismo terminariam sendo, no fundo, a mesma coisa, porque se registram fenômenos no seio de corporações católicas.
Neste caso, não haveria distinção entre Catolicismo, Espiritismo, Africanismo etc., uma vez que a mediunidade é comum a qualquer indivíduo, podendo ser espontaneamente observada entre católicos, espíritas, maometanos etc.
Não são poucos os padres, bispos e pastores com mediunidade positiva. Não é, portanto, pela natural ocorrência de fenômenos que se pode firmar critério para determinar o que seja realmente espiritismo.
Um materialista, ainda que dos mais intransigentes, está sujeito a ser médium, embora continue, por sistema, a negar a existência da alma. Então, devemos concluir: o fenômeno por si só não justifica a opinião, hoje defendida por muita gente, de que haja entre o espiritismo e o africanismo qualquer traço fundamental de afinidade.
Conquanto as religiões fetichistas, transplantadas para o Brasil com o tráfico africano, se utilizem de médiuns (há médiuns em toda parte e não apenas no meio espírita) e façam evocações de espíritos em seus terreiros e cerimônias, com o desejo de praticar o bem ou "prestar caridade", segundo expressão popular no Brasil, não se encontram, entre aquelas religiões e o Espiritismo, traços comuns.
De comum, apenas a manifestação, o transe mediúnico, a evocação, sob forma absolutamente diferente da prática espírita. Ora, não sendo a manifestação de espíritos um ato privativo do espiritismo, porque os espíritos se manifestam em qualquer lugar, desde que disponham de médiuns, está claro que, em boa lógica, não deve ter a designação específica de prática espírita, qualquer experiência mediúnica, feita a esmo, empiricamente, sem relação com o espiritismo, cujos ensinos formam uma doutrina filosófica de "conseqüências religiosas", como bem disse o seu codificador Allan Kardec.
O mediunismo faz parte do espiritismo; mas é preciso frisar que mediunismo não é espiritismo. Que há mediunismo nos cultos africanos, não se discute. Mas este motivo ainda não basta. Daí poder-se apresentar a tese de que, embora tenham por base a imortalidade da alma e exercitem o mediunismo, as práticas do africanismo, apesar de espiritualistas, não constituem modalidade do espiritismo.
Fontes:
Canal Espírita Jorge Hessen - Espiritismo e Umbanda
COMENTÁRIOS DA IMPRENSA ESPÍRITA
"Cremos que é a primeira obra de fôlego acerca de assunto mil vezes debatido pela rama. Quando se quiser estudar a influência que as práticas afrocatólicas têm, no Brasil, exercido em certos ramos de pseudo Espiritismo, será indispensável a consulta deste livro profundamente elucidativo."
Estudos Psíquicos, de Lisboa, junho de 1947
"Com efeito ali o autor se afirmou o escritor consciencioso e profundo, descendo ao âmago do tema e esmerilhando-o com argúcia, até provar à saciedade e à luz de vigoroso raciocínio, a diferença entre as práticas espíritas e as cerimônias afro-católicas dos terreiros de umbanda, ainda que se notem, aí, certas manifestações de entidades espirituais."
Luz da Verdade, de Salvador, Bahia, jan/abril de 1947
"Não é possível a simbiose entre elementos heterogêneos que se não combinam. O opúsculo, pequenino embora, deve ser manuseado pelos estudiosos da Doutrina Espírita, para alumiar consciências indecisas, desanuviando a caligem do fanatismo e da superstição.”
O Luzeiro, de Aracaju, Sergipe, março de 1947
RELAÇÃO DE OBRAS PARA DOWNLOAD
Allan Kardec - O Livro dos Médiuns
Deolindo
Amorim - Africanismo e Espiritismo